quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Esporte e Racismo

ANDRADE – craque dentro das quatro linhas, craque como técnico-estrategista, orgulho afrodescendente

por Ricardo Riso

Um aspecto importante do jogo em que o Flamengo pode se tornar campeão brasileiro não vem sendo abordado pelos grandes meios de comunicação e que poderia motivar as complicadas relações étnicorraciais na sociedade brasileira: trata-se do técnico rubro-negro Andrade, que poderá se tornar o primeiro técnico negro a ser campeão do principal torneio nacional. E por uma feliz coincidência, o jogo decisivo será no Maracanã, cujo nome oficial é o do autor do histórico livro “O negro no futebol brasileiro” (1947), Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. Filho, em seu trabalho pioneiro, aponta as discriminações sofridas pelo negro para ser aceito no meio do futebol.

O negro no futebol brasileiro só aparece com destaque como jogador. Foi assim desde que o ludopédio se instalou em nossas terras ao final do século XIX. De esporte de elite proibido aos negros, foi se popularizando entre as classes populares e, somente em 1923, que um clube abriu as portas para jogadores negros: o Vasco da Gama. Aos poucos, os afrodescendentes foram ocupando os espaços nos clubes e na seleção brasileira, mas o jogador tinha que seguir a máxima de que “não basta ser bom, é preciso ser o melhor” para ser aceito.

Talvez o período em que o racismo tenha sido escancarado no futebol tenha acontecido na derrota para o Uruguai, na final da Copa de 1950, no supracitado Maracanã. Naquela ocasião, o jogador Bigode e o goleiro Barbosa foram acusados como os responsáveis pela derrota brasileira por não conseguirem impedir o atacante Ghighia de marcar o gol da vitória. Esse acontecimento motivou a imprensa e parte da sociedade a exigir que negros e mestiços não fossem mais convocados para a seleção. Uma profunda bobagem, pois, passados oito anos, o Brasil seria campeão do mundo na Suécia com o mestiço e genial Garrincha e os negros Pelé (que se tornaria o Rei do Futebol) e Didi. Este, eleito o melhor jogador da competição.

Entretanto, a discriminação não poupou seus esforços. Barbosa sempre foi lembrado por sua falha e, em 1993, o ex-goleiro, já um senhor, talvez tenha sofrido a sua maior humilhação. Ele quis visitar os jogadores da seleção que estavam concentrados para um jogo das eliminatórias da Copa de 1994, mas foi proibido de entrar no hotel. Muitos goleiros negros sofreram com essa “maldição”, tanto que a seleção brasileira só voltou a ter um arqueiro afrodescendente com Dida na Copa de 2006.

Contudo, o racismo não se apresenta apenas dentro das quatro linhas. Só encontramos negros ocupando funções menores como roupeiros e massagistas, ainda assim imprescindíveis, nos clubes, mas jamais postos de liderança. Entre dirigentes e presidentes não vemos afrodescendentes trabalhando nesses cargos nos principais times do país. Essa reflexão pode ser ampliada à presença negra entre árbitros e jornalistas esportivos. Por coincidência, mínima também.

Por isso, o momento atual de Andrade como técnico e a expectativa do título brasileiro força-nos a pensar e a discutir as relações étnicorraciais dentro do futebol, principalmente por sermos a “pátria de chuteiras”. Por conseguinte, as práticas no futebol refletem a nossa sociedade.

Para ser técnico é preciso que o pretendente possua algumas características como liderança, conhecimento tático e capacidade intelectual. Nenhuma delas é associada ao jogador negro que se vale de sua força física para compensar a inteligência reduzida e do dom natural para minimizar suas falhas táticas no esquema do time. Isso já serve como justificativa para que o ex-jogador negro seja incapaz para exercer a função de técnico, pois lhe faltaria a sapiência que um estrategista deveria ter. Ou seja, depreendemos que na mentalidade do futebol brasileiro permanecem os discursos positivistas do final do século XIX.

Entretanto, parece que Jorge Luís Andrade da Silva, o Andrade, quer mudar a história e mostrar que o afrodescendente é capaz sim, desde que tenha oportunidade de trabalhar. De 2004 para cá, Andrade já assumiu o clube como interino em três ocasiões e sempre entregou o time em situação melhor que quando entrou. Foi menosprezado por Cuca que chegou a colocá-lo para compor barreira em treinamentos e ouviu do atual goleiro Bruno, seu comandado, após uma discussão durante um treino que “ele poderia ter ganho tudo como jogador, mas como técnico ele não era ninguém”. Claro que Bruno foi execrado pela torcida e pela imprensa esportiva, indignados com o seu desrespeito a um ex-craque rubro-negro.

Como vemos, o Tromba, como era conhecido por seus companheiros no tempo de jogador, enfrentou situações desconfortáveis mas jamais veio a público reclamar por qualquer injustiça dentro do Flamengo. Sua resposta veio com o retrospecto da passagem atual pelo comando da equipe, em 2009 realiza seu melhor trabalho.

Até agora sua postura como técnico desde que foi efetivado pela diretoria, tem se caracterizado pela serenidade, controle emocional e humildade ao segurar a euforia dos jogadores e exaltar o trabalho do grupo; conhecimento tático ao buscar alternativas ofensivas e romper com o passado “retranqueiro” que dominou o Flamengo desde a passagem do técnico Joel Santana em 2007; educação e inteligência no trato com a imprensa não exibindo a truculência e a arrogância dos principais técnicos do Brasil, os “professores doutores” do futebol.

Além disso, Andrade é parte da história do Flamengo, exatamente no seu momento mais glorioso. Ele era o cabeça-de-área do time campeão do mundo liderado por Zico, o que o faz ter o carinho e o respeito da torcida. Enquanto jogador rubro-negro conquistou quatro títulos estaduais, quatro nacionais, uma libertadores e um mundial. Passou pelo rival Vasco da Gama e ganhou mais um brasileiro. Se a memória não me trair, Andrade é o jogador com o maior número de títulos nacionais desde que a CBF criou o campeonato brasileiro: cinco.

Na minha infância e adolescência ia muito aos jogos daquele grande time do Flamengo. Recordo-me que Andrade, ao início das partidas, sempre procurava enfiar a bola entre as pernas de seus marcadores (a famosa “caneta”), inflamando a torcida a empurrar o time para o ataque. E foi assim, de caneta em caneta que Andrade conseguiu romper o preconceito, se firmou como técnico e poderá viver mais um momento histórico no futebol caso seus comandados conquistem o título. Além disso, se tornará mais um motivo de orgulho para a população afrodescendente brasileira.
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Está na
www.afropress.com

Andrade é o 1º negro campeão brasileiro como técnico
6/12/2009

Rio - Com a vitória por 2 a 1 do Flamengo sobre o Grêmio, neste domingo (06/12) no Maracanã, seu técnico, Jorge Luis Andrade da Silva, o ex-jogador Andrade (foto), entrou para a história do futebol tornando-se o primeiro treinador negro a conquistar o campeonato brasileiro.
Andrade já havia sido campeão brasileiro atuando pelo Flamengo nos anos de 1980, 1982, 1983 e 1987 (Módulo Verde da Copa União), além do título de 1989, com o Vasco.
O campeonato teve apenas dois treinadores negros: Sérgio Soares, do Santo André e Lula Pereira – atualmente desempregado. Na série B a presença negra igualmente é rara.
Segundo o jornalista Mário Filho – que dá nome ao estádio do Maracanã e é autor do clássico "O negro no Futebol brasileiro", de 1.947 - foram os negros que reinventaram o futebol no país, dando ao esporte características distintas do período em que era praticado apenas por filhos de ingleses ricos e aristrocratas.
Embora se constituam na esmagadora maioria nos campos, ainda são raros como técnicos ou cartolas.

Racismo: No caso de Andrade até o início do campeonato era treinador interino. Foi sub de nove técnicos até ser efetivado este ano. Segundo o também ex-jogador Júnior, agora comentarista da Globo, Andrade só não foi efetivado como técnico por racismo. Em 2004, quando era gerente de futebol do clube, Júnior disse ter tentado efetivá-lo no cargo, porém, revela ter ouvido, em meio aos comentários sobre inexperiência do treinador, argumentos racistas contra.
“No momento de colocações de virtudes e defeitos, vieram comentários deste tipo. Além da inexperiência no cargo, diziam que era um negro sem boa dicção”, contou.

Pó de Arroz
No início do futebol no Brasil (primeira década do século passado) os times não aceitavam jogadores negros. Para driblar a proibição os jogadores passaram a esticar o cabelo e a encher os rostos de pó de arroz para se passarem por brancos, evitando hostilidades das torcidas.
Em 1.914, o jogador Carlos Alberto, do Fluminense, foi vítima dessa tentativa de disfarce. Durante uma partida do seu time com o América, a maquiagem começou a escorrer revelando a sua verdadeira cor. Passou a ser chamado pela torcida adversária de Pó-de-Arroz.

Direitos Humanos e racismo no Brasil

domingo, 13 de dezembro de 2009

DE UM NEGRO PARA UM JURISTA BRANCO: PELA GRANDIOSIDADE DO BRASIL, REVEJA SEUS CONCEITOS!

Capitão Marinho*

Dia 10 de dezembro, é comemorado o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Esta data é consequência da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Esta Declaração é o primeiro documento internacional que afirma a universalidade dos direitos fundamentais e a IGUALDADE entre todos os seres humanos. O Brasil, como país signatário da Declaração dos Direitos Humanos, é obrigado a promover políticas de igualdade e rechaçar qualquer conduta que mantenha estagnada a desigualdade entre os seres humanos – quer seja econômica, educacional, cultural ou étnica.

Passado mais de sessenta anos da Declaração, as políticas de promoção à igualdade, lamentavelmente, ainda encontra resistência de pessoas que têm um grande poder de formar e modificar opiniões, como o destacado jurista Ives Gandra – professor emérito das universidades Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército – que afirma: “Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios”. Fica a indagação: o quê ele pretende com esta afirmação? Retroceder à época da escravidão? Em plena época que todo o planeta entende que a diversidade e a igualdade entre os seres humanos é o maior bem que a humanidade pode ter, será que ele quer manter o fosso que separa negros e brancos?

Ora, se um eminente jurista, professor emérito de universidade, branco e milionário se acha discriminado, nesta terra de casta e privilégio, o que dirá o homem negro que foi espancado ontem, 12/12/09, em Ribeirão Preto-SP, por três universitários de medicina (Faculdade Barão de Mauá), que foram soltos minutos depois, porque o Juiz entendeu que o fato deles baterem em um homem desconhecido, gritando "toma nego" não caracteriza injúria racista? O que dirá os jovens negros que percebem, nitidamente, que uma pessoa atravessou a rua com medo de cruzar com ele na mesma calçada? O que dirá os 14,2 milhões de brasileiros adultos que são analfabetos? O que dirá os afrodescendentes que quando vêem a coluna social não se identifica fisicamente com ninguém? Ah, falar em coluna social, abordarei, no próximo parágrafo, a história de algumas famílias de imigrantes (obviamente brancos) que fizeram fortunas, algo IMPOSSÍVEL para os negros, pois naquela época (1870 a 1930), ou eles estavam no cativeiro vivendo de pão duro e água fria, ou estavam sendo tratados iguais a animais no Brasil que predominava a ideologia do médico e biólogo francês Louis Couty – política do branqueamento – que afirmava da necessidade de haver, no Brasil, imigração européia para “melhorar” o povo brasileiro.

Das inúmeras famílias brasileiras ditas tradicionais, vou tecer breve comentário sobre a Família Matarazzo, a Família Diniz e a Família Hering. Família Matarazzo: sua história tem início com a chegada de Francisco Matarazzo à cidade São Paulo em 1881. Nascido na província de Salermo, Itália. Imigrante com vantagens dadas pelo Brasil que explorava os negros; Família Diniz: sua história começou com a chegada de Valentim dos Santos Diniz à cidade de Santos-SP em 1929. Nascido em Polmares do Jarmelo, Portugal. Imigrante com vantagens dadas pelo Brasil que explorava os negros; Família Hering: originária de Hartha, na Alemanha, se estabeleceu em Blumenau-SC em 1878. Imigrante com vantagens dadas pelo Brasil que explorava os negros. Será que o Dr. Ives Gandra não conhece esta parte da história brasileira? Ou será que ele acha que as famílias brasileiras “tradicionais” são descendentes de africanos?

Confesso que este posicionamento do Dr. Ives Gandra ajuda-me a compreender porque o Exército, através da sua Editora (BIBLIEX), publicou, este ano (2009), um livro negando o racismo no Brasil, contrariando as políticas públicas adotadas em um Estado Democrático de Direito. Ora, este Jurista é professor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, curso obrigatório para quem almeja ascender ao generalato, ou seja, todos os generais do Exército cursaram esta escola, e uma grande parte – dos que estão no Comando atualmente – aprenderam na cartilha deste Professor. Entretanto, prefiro acreditar que a publicação do livro negando o racismo tenha sido uma atitude isolada de algum oficial, embora, como cidadão brasileiro, acredito que a Força Terrestre vai publicar algum livro reconhecendo o racismo no Brasil (não é “camuflando” o problema que iremos resolvê-lo), pois não seremos grande como Nação enquanto existir números estarrecedores – como os divulgados pelo IPEA, PNUD e IBGE – que demonstram, claramente, as distorções entre os negros e os brancos brasileiros.

Concluindo, em um País que é indubitável a dificuldade para o negro progredir, quando um homem branco, jurista renomado, professor universitário e milionário se diz discriminado como cidadão comum, das duas uma: ou ele não quer que o Brasil seja grandioso; ou ele, realmente, está perdendo espaço, pois nesta terra estão acabando com as castas e os privilégios. Por fim, de um Negro para um jurista branco: pela grandiosidade do Brasil, reveja seus conceitos!


* Quem sou eu

Capitão Marinho
Estudei da alfabetização à terceira série do ensino médio - toda vida escolar - no Colégio da Polícia Militar da Bahia; Mestre em Direito pela UCAM-RJ; Capitão do Exército; Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras; Pós-graduado em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército; Graduado em Direito; Pós- Graduado em Direito Penal e Processo Penal; Pós-Graduado em Psicologia Jurídica; Gestor em Segurança Pública e Justiça Criminal pela Universidade Federal Fluminense.Em suma, uma pessoa que acredita, veementemente, que o estudo proporciona a realização dos sonhos mais difíceis, pois o conhecimento produz poder!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Francisco de Paula Brito Primeiro Editor Brasileiro

MUSEU AFRO BRASIL REVELA EM EXPOSIÇÃO A TRAJETÓRIA DOPRIMEIRO EDITOR BRASILEIRO
Museu Afro Brasil revela a trajetória de Paula Brito, o precursor da história editorial brasileira
Exposição: Francisco de Paula Brito – 200 Anos do Primeiro EditorBrasileiro (1809-2009)
Período: 05/12/2009 a 25/01/2009 Local:
Museu Afro Brasil – Organização Social de Cultura Endereço: Av. Pedro Álvares Cabral, s/n – Parque Ibirapuera – Portão 10
Funcionamento: de terça a domingo – das 10 às 17 horas (permanência até às 18 horas)
Estacionamento: Portão 3 – Parque Ibirapuera (Zona Azul)
Entrada: Grátis
Informações à Imprensa Claudia Alexandre Assessoria de Imprensa Museu Afro Brasil – Organização Social de Cultura
(11) 5779-0593 ou (11) 9172-4662 // 7881-2688 ID 86*201-11
Francisco de Paula Brito, de aprendiz de tipografia a maior personalidade da história editorial do Brasil.
A exposição Francisco de Paula Brito – 200 Anos do Primeiro Editor Brasileiro (1809 – 2009), que foi inaugurada no próximo dia 05 de dezembro, às 13 horas, no Museu Afro Brasil – Organização Social de Cultura, revela a história do iniciador do movimento editorial brasileiro e sua contribuição valorosa no progresso da arte tipográfica. A realização é do Museu Afro Brasil e Governo do Estado de São Paulo, com patrocínio da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e apoio da Prefeitura de São Paulo.
Em plena sociedade escravista Paula Brito foi tipógrafo, litógrafo, editor, jornalista, tradutor, poeta, contista e teatrólogo. A mostra reúne obras que foram impressas, traduzidas e escritas por este carioca, que foi também um dos primeiros contistas brasileiros. Entre os livros estão os 37 volumes da gigantesca Coleção Brasiliana, que pertencem à Biblioteca José e Guita Mindlin e foram impressos pelo próprio Paula Brito entre 1837 e 1862. Outras 10 publicações são da coleção particular do diretor-curador do Museu Afro Brasil, Emanoel Araujo, que também assina a curadoria desta mostra. A exposição conta com painéis, imagens das principais publicações e cenas do cotidiano da cidade natal, Rio de Janeiro do século XIX. O público pode conferir de perto uma centenária prensa alemã da marca Krause, usada para trabalhos de litografia em produções editoriais.
Na qualidade de contista, o negro Francisco de Paula Brito (1809-1861) é um dos precursores do gênero no Brasil. Nasceu no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1809 e morreu na mesma cidade em 1 de dezembro de 1861, portanto 27 anos antes da Abolição da Escravatura no Brasil. Iniciou sua carreira na adolescência como aprendiz da Tipografia Nacional. Em 1827 foi contratado pelo recém fundado Jornal do Comércio como compositor tipográfico, assumindo mais tarde o departamento de Impressão. Em 1831, tornou-se dono da loja de encadernação de livros de um primo, quando inicia uma revolução com a introdução da tipografia, tornando-se o primeiro editor do país. A “Tipografia Fluminense de Brito & Cia” passou a ser um ponto de encontro de políticos e intelectuais como Machado de Assis. De sua tipografia saíram obras como “O Mulato” e o jornal “O Homem de Cor”, a primeira revista cultural de importância, a “Guanabara” e o primeiro jornal brasileiro dedicado à luta contra o preconceito racial, o que lhe rendeu mais um título, o de precursor da imprensa negra.
Engajado na luta abolicionista, ele militava contra a escravidão e a favor da igualdade racial, antes mesmo de expoentes da causa como José do Patrocínio e Joaquim Nabuco terem nascido. Com Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional Brasileiro, compôs o “Lundu da Marrequinha”. Seus contos e novelas são publicados a partir de 1839: “O triunfo dos indígenas”; “Os sorvetes e o Fidalgo Fanfarrão”; “A revelação póstuma”, “ A mãe-irmã” e “O enjeitado”, entre outros.

sábado, 5 de dezembro de 2009

O Grito de Belém

JB 05 de dezembro de 2009

O grito de Belém

Cristovam Buarque

Nesta semana, das margens do Amazonas, no moderno centro de convenções de Belém, o mundo recebeu um grito de alerta entoado por representantes de 156 Estados-membros da UNESCO, entre eles, 93 ministros da educação.
O cenário da floresta – cujo desmatamento simboliza uma das causas da grave crise ecológica – emoldurou o Grito de Belém, que trata do problema da educação e da alfabetização de adultos.
O Grito de Belém é o resultado da VI Confintea – Conferência Internacional de Educação de Adultos, convocada pela UNESCO a cada 12 anos.
Desde 2003, o Brasil foi escolhido como sede da reunião, depois daquelas realizadas em Elsinore, Dinamarca, 1949; Montreal, Canadá, 1960; Tóquio, Japão, 1972; Paris, França, 1985 e o último em Hamburgo, Alemanha, 1997.
É em Hamburgo que está a sede do Instituto da UNESCO para Educação ao Longo da Vida, que organiza essas conferências. Como membro do Conselho desse Instituto há 5 anos, fiquei muito satisfeito com o início dos trabalhos da VI Confintea.
Também senti a força dos discursos de abertura que mostram o compromisso de tantas pessoas com a educação no mundo.
A nova Diretora-Geral da UNESCO, Irina Bokova, lembrou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos incluiu o direito de cada um a educação, e que – 60 anos depois – ainda necessitemos reafirmar esse direito.
Disse que “nenhum país subiu a ladeira do desenvolvimento humano sem fortes investimentos em educação”. Concluiu o discurso citando Paulo Freire e dizendo: “educação é condição para liberdade”.
A princesa Laurentien, da Holanda, representante especial da UNESCO para Alfabetização, falou sobre a necessidade de esforço mundial pela educação de todos os adultos – especialmente na alfabetização.
E disse: “se quisermos educar uma vila, eduquemos suas mulheres”.
O ex-presidente do Mali, Alpha Konare, concentrou sua fala na defesa do continente africano, onde o problema da falta de acesso à educação se mostra da forma mais drástica.
Referiu-se ao Presidente Lula como “nosso patrimônio comum” e defendeu a ideia, nascida em 1998, em Brasília, de se fazer a troca da dívida por investimentos em educação.
O Diretor do Instituto da UNESCO para Educação ao Longo da Vida, Adama Ouane, propôs uma estratégia para que o mundo enfrente o problema do analfabetismo de adultos e ofereça educação continuada para todos.
No conjunto, os representantes de todos os países presentes defenderam a necessidade de um esforço mundial pela alfabetização e educação de adultos.
Esse Grito de Belém não receberá a divulgação do grito que esperamos que seja dado em Copenhague, na próxima semana, por uma redução nas emissões de CO2.
Mas é a manifestação de pessoas comprometidas com a busca de um futuro a ser construído sobre dois pilares: educação de qualidade para todos e o equilíbrio ecológico para próximas gerações.
Ainda mais quando se sabe que a solução para o problema do meio ambiente está em uma revolução educacional para mudar a mentalidade viciada da civilização industrial, que mede o progresso pela produção industrial a qualquer custo – social ou ecológico.
A VI Confintea escolheu Belém por respeitar a importância da questão ambiental.
Esperemos que a reunião de Copenhague abra um debate mundial sobre a educação de adultos e faça todos perceberem que ela só será solucionada quando as crianças forem educadas na idade certa.
Tenho defendido, e levarei a Copenhague, no encontro da União Internacional de Parlamentares, a ideia de que o mundo exige que cada político seja uma voz em defesa do mundo e não só dos interesses locais de onde exerce sua atividade política.
É isso que me fez, nos últimos dias, falar sobre a imoralidade política no DF, mas sem deixar de usar esse espaço neste jornal para falar dos gritos de Belém e de Copenhague.
Esperamos que o Grito de Belém e o Grito de Copenhague se juntem em um Canto de Esperança para todo o mundo e todas as gerações do futuro, graças à educação de qualidade para todos e a um desenvolvimento sustentável para a civilização.

Cristovam Buarque é senador pelo PDT-DF