terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tribuna da Imprensa 10.IX.2009
Ipea confirma desigualdade entre brancos e negros

BRASÍLIA - Os números apresentados pelo 3º Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado ontem, mostram que existe uma grande distância entre brancos e negros. A pobreza e a indigência é três vezes maior entre a população negra. Domicílios chefiados por negros têm menos acesso a rede de esgoto, abastecimento de água ou coleta de lixo.
A desigualdade também está presente no serviço de saúde, que por definição é universal. Dados mostram que 46,3% das mulheres negras com mais de 25 anos nunca fizeram exame clínico de mama, teste indispensável para detecção precoce de câncer. "As mulheres são menos tocadas, menos examinadas", disse a pesquisadora Maria Inês Barbosa. O número torna-se ainda mais preocupante quando se avaliam as estatísticas populacionais.
Dados mostram que a população negra passou de 42% em 1996 para 47% em 2006. Esse número não reflete mudança demográfica mas, sim, cultural, afirmam especialistas. "Fruto do movimento negro, boa parte da população passou a se reconhecer como tal. E a tendência é de esse número aumentar ainda mais", afirmou Maria Inês.
Família
O formato da família brasileira está se diversificando, com mais espaço para casais com filhos chefiados por mulheres e núcleos familiares formados só por pai e filhos. Já fora de casa, principalmente nas relações de trabalho, há uma repetição de padrões de iniqüidade, seja de gênero ou de raça. É o quadro mostrado no estudo do Ipea, divulgado ontem.
Apesar de o modelo de pai provedor, mãe e filhos ainda prevalecer, houve aumento, em dez anos, das outras formas de organização familiar. "O nível de desigualdade se reduziu, mas em um ritmo muito menor do que seria considerado adequado", disse o diretor do Ipea, Jorge Abraão. Batizado de monoparentais masculinos, o arranjo familiar formado por pai/filhos passou de 2,1% em 1993 para 2,7% em 2006. "Pode parecer um número tímido, mas chama a atenção. É um indício de que um processo de redefinição de papéis está em curso", afirmou a pesquisadora Natália Fontoura, ao explicar o estudo. "Vamos ver agora o que acontece nas próximas edições da análise."
Já o número de famílias formadas pelo casal com filhos chefiadas por mulheres aumentou dez vezes em 13 anos. Em 2006, eram 2,25 milhões de famílias lideradas pelas mulheres, o que corresponde a 14,2% do total. Em 1993, somente 3,4% das famílias tinham esse formato. "É um resultado extremamente significativo", avaliou Natália. Feito com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o estudo do Ipea procura traçar um perfil das iniqüidades no País. Na versão preliminar, foram analisados dados de 1993 a 2006.
As mulheres passaram a ter rendimentos maiores, mas ainda bem abaixo do obtido pelos homens. Em 2006, por exemplo, a renda média das mulheres era de R$ 577. Uma média superior da que havia sido alcançada em 1993 (R$ 561), mas ainda bem abaixo do que foi apresentado pelos homens no mesmo ano: R$ 885,56. Além de receberem menos, mulheres ainda são as campeãs em média de horas semanais dedicadas a afazeres domésticos. Em 2006, mulheres disseram ter reservado 24,8 horas da semana para essas atividades. No mesmo ano, homens dedicaram 10 horas. Houve, no entanto, uma redução da jornada feminina em afazeres domésticos, já que em 2001 elas dedicavam 29 horas.
Diferença racial
As diferenças são ainda mais acentuadas quando se analisa o quesito raça/cor. A população negra ingressa precocemente no mercado de trabalho e apresenta uma saída tardia. Em 2006, a taxa de participação no mercado de trabalho de meninos negros, com idade entre 10 e 15 anos, foi de 19,1%. Um índice 5% superior ao que foi apresentado por meninos brancos na mesma faixa etária. "Os índices caíram, mas a distância entre brancos e negros continua intocada", observou Natália.
Essa desigualdade é confirmada por todos os outros indicadores analisados: seja de acesso a serviços de saúde, escolaridade ou vida profissional. Para Abraão, os dados mostram que toda a sociedade se beneficiou com o processo de crescimento econômico registrado nos últimos anos. Mas de forma desigual. O diretor avalia que nem mesmo programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, foram suficientes para reduzir a distância entre brancos e negros na velocidade que era esperada.
"Há uma resistência cultural. Para superar os obstáculos, é preciso criar políticas específicas, ações afirmativas que induzam a redução da distância entre brancos e negros", completou. A educação apresenta um exemplo claro dessa resistência. Negros e negras freqüentam menos escolas, apresentam menos anos de estudo e taxas de analfabetismo mais elevadas.

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