domingo, 23 de novembro de 2008

Ministro Joaquim Barbosa entrevista à Folha de São Paulo

Joaquim Barbosa ministro do Supremo Tribunal Federal"Situações de discriminação só tive no Brasil"
FREDERICO VASCONCELOS DA REPORTAGEM LOCAL
"A Justiça brasileira trata mal os pobres, especialmente os negros", diz o ministro Joaquim Barbosa, 54, do STF (Supremo Tribunal Federal). No seu entender, "a questão racial deve ser tratada com igualdade efetiva de oportunidades".Autor de livro e de conferências sobre o racismo, o mineiro de Paracatu diz que no exterior as pessoas estão acostumadas com negros bem posicionados, "não demonstram o "estranhamento" tão comum entre nós".Joaquim Benedito Barbosa Gomes estudou muito. Aos 19 anos, servidor público, já possuía carro, "numa época em que poucas famílias de classe média baixa possuíam veículo", ele diz.O ministro é uma pessoa refinada e que preserva a sua privacidade. Gosta dos autores franceses do século 19 e, entre os brasileiros, de Machado de Assis e de Lima Barreto, o seu escritor nacional predileto."Identifico-me com sua história de vida, com a sua luta por reconhecimento numa sociedade extremamente conservadora e excludente", diz.Barbosa freqüenta as grandes salas internacionais de concerto, assim como assiste a shows de música popular brasileira. Transita com facilidade entre o erudito e o popular. "A fórmula talvez resida na minha tendência a relativizar tudo, a não dar muita importância às hierarquias e categorizações impostas pela sociedade", diz, em entrevista por e-mail.

FOLHA - O fato de ser "o primeiro negro" no STF traz alguma carga que o incomode? Nos contatos em outros países há alguma distinção? JOAQUIM BARBOSA - Na Europa e nos Estados Unidos, as pessoas já estão acostumadas com negros bem posicionados, falam com eles de igual para igual, não demonstram o "estranhamento" tão comum entre nós.
FOLHA - Certa vez, o geógrafo Milton Santos recusou, num restaurante em Paris, uma mesa escondida. Negro, não aceitou a discriminação. O sr. enfrentou situações iguais? BARBOSA - Situações como a experimentada pelo Milton Santos só tive no Brasil, antes de chegar ao Supremo. Hoje, acho que seria impossível, porque me tornei muito conhecido.
FOLHA - O sr. não faz da sua biografia nem da sua consciência negra uma bandeira, uma causa... BARBOSA - Não me sirvo da minha posição para fazer proselitismo racial, social ou coisa que o valha. Seria abuso de poder. Tampouco me deixo instrumentalizar por movimentos, pela mídia ou por quem quer que seja.
FOLHA - O sr. tem sido requisitado por movimentos sociais? BARBOSA - Sou muito requisitado para todo tipo de evento, mas só aceito convites após muita reflexão e ponderação. Não permito que me usem.
FOLHA - O sr. acha que a questão da desigualdade no país melhorou? BARBOSA - Tenho plena consciência das desigualdades brasileiras, sei que elas se manifestam nos mínimos gestos do cotidiano, na esfera pública, na esfera privada, na falta de oportunidade. Para enfrentar nossas imensas desigualdades, nós vamos ter que nos reinventar.
FOLHA - O sr. assistiu nos Estados Unidos à eleição de Barack Obama. Como essa experiência o marcou? BARBOSA - Foi um grande privilégio. Foi algo emocionante, no plano pessoal, ver as pessoas em absoluto estado de graça, de júbilo. Até mesmo na austera Corte Suprema, pude constatar esse clima de euforia. No plano institucional, essa eleição foi uma demonstração da capacidade de regeneração que tem a sociedade americana. Foi uma bela demonstração da pujança das instituições democráticas.
FOLHA - Quais os reflexos que essa eleição poderá ter no Brasil? BARBOSA - Terá um grande impacto em boa parte do mundo. Talvez menos na Europa, que tem muita dificuldade em admitir mudanças importantes. Não vejo a menor chance de surgimento de um Obama em qualquer dos países europeus.
FOLHA - Como o sr. compara a questão da igualdade racial no Brasil e nos Estados Unidos? BARBOSA - A meu ver, a questão racial deve ser tratada sob a ótica da igualdade efetiva (e não retórica) de oportunidades e de acesso, coisa que os Estados Unidos vêm tratando com razoável eficiência, e o Brasil tem muita dificuldade em fazer, não obstante alguns avanços pontuais nos últimos dez, 12 anos. Há 15 anos não havia negros na publicidade brasileira. Hoje já há, o que é muito positivo. Houve algum avanço tímido, muito tímido na mídia.

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